Não foi assim. Não foi um sopro, uma inspiração, um parto de inseminação artificial. Foi uma vida inteira. Meu primeiro livro teve uma gestação de 23 anos. Dar à luz é que foi rápido. Mas não posso absorver a culpa de não ter sentido a dor das mães obrigadas a fazer cesária.
Foi assim: postei uma webnovela, cada dia um capítulo. Pessoas que eu nunca ouvi falar leram e acompanharam sem saber que a autora era eu, sem saber que a história era fictícia, e a imaginação fértil delas implorava por acreditar que tudo aquilo era real. Elas me chamavam de “infiltrado” mesmo o personagem narrador nunca tendo sido nomeado. E a coisa se espalhou. E eu me espalhei dentro de mim.
Fiquei na dúvida se eu deveria destruir suas ilusões e revelar-me. Meu ego disse “sim, conta que é você a gênia do mal”. Dai eu contei e depois que contei, meu estímulo em transformar a novela num livro atingiu o ápice quando subiram tag pro meu não nascido filho no Twitter. Meu bebê era querido e eu decidi que ele deveria nascer. Então ele nasceu. Mas nasceu porque eu já sabia o que fazer. Eu estudei pra isso, eu trabalhei nisso. Eu sabia diagramar, eu conhecia o entusiasmo de autores iniciantes e as possíveis decepções que eu teria pela frente. Eu falhei várias vezes. E sem expectativa, pari o primeiro. Meses depois: o segundo. Mas não consigo compreender qual foi o pecado que eu cometi que me faz ficar na defensiva quando falo dos meus partos. Vai ver que é porque parto é íntimo. Só eu sei como foi. Vai ver que é porque me deu mais prazer do que trabalho, e dizem que livro tem que doer pra nascer. Vai ver que sou péssima mãe, mas meus filhos são bons. Meu primogênito foi comprado pelas pessoas que o batizaram antes de mim. Ele anda em boas companhias e eu recebo mimos em formas de palavras. Não foi inseminação artificial.
Livro de parto normal
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